As Relações Públicas e a Web

As Relações Públicas, tal como todo o debate intelectual contemporâneo, vivem abis-madas pela omnipresença das novas tecnologias, ou não fossem resultado de trabalho quase instantâneo e desenvolvido sob pressão, não podendo deixar de usufruir das frutuosas ferra-mentas disponibilizadas pela Internet. Renascidos da Era da Informação, vivemos agora na Era da Atenção, tempo em que os indivíduos deixam de ser meros receptores de informação fabri-cada pelos media de massa e passam a poder, para além de consumir, criar e partilhar mais informação, mais depressa e com mais liberdade. As Relações Públicas têm de se adaptar aos novos media: as redes sociais.

Como explica Richard Bailey, autor do post “Brands, Relationships and Social Capi-tal”, há actualmente um enorme fosso entre a postura típica do mercado – de esperar lucros imediatos de qualquer campanha de marketing, publicidade ou relações públicas – e a necessi-dade efectiva de apostar nos “social media” (i) afim de produzir capital social – investimentos a longo prazo. É apontado no post que apesar de haver cada vez mais “marcas” nos “social media”, a atitude com que neles se inserem não será de investimento mas sim de experiência e se, como facilmente se prevê, os resultados não forem imediatos, temem os críticos que se desista demasiado depressa desta potencial ferramenta de trabalho. Se as Relações Públicas assentam na construção de uma relação de confiança com os seus públicos (ie stakeholders), os “social media” apresentam-se como um ponto estratégico de extrema importância para concre-tizar os objectivos de uma campanha, visto que através do diálogo e da interacção entre as duas partes, é mais fácil criar alicerces “construídos sobre uma troca mútua de valores ao longo do tempo”. Tais suportes tornam mais fácil alcançar o público-alvo da campanha tendo capacida-des para abranger o mesmo número de pessoas ou até um número superior do que os media industriais (ii), sendo que apresentam ainda vantagens no que toca à acessibilidade (estão sempre disponíveis, a qualquer hora, em qualquer lugar), à liberdade de produção (são baratos ou gra-tuitos), à novidade (é possível actualizar a informação quase instantaneamente) e à permanên-cia (ao contrário do que acontece ao que é publicado num jornal ou transmitido numa rádio ou televisão, o que está na Web não é finito: é possível alterar, responder e comentar a informação disponível em qualquer altura). Ora, esta evolução torna a velocidade de legitimação ou des-truição de uma marca, empresa, organização, pessoa ou ideia muito mais rápida.

Esta possibilidade de diálogo e respectivas vantagens trazidas pelos “social media” elevam ao expoente máximo os princípios de que Richard Bailey fala no post “The Currency of the Web is Attention and Reputation”: os de uma “sociedade livre suportada pela liberdade de expressão, liberdade de imprensa e eleições ‘livres e justas’” . Enquanto que a relação exis-tente actualmente entre as Relações Púbicas e os media – “dar informação gratuita esperando cobertura mediática grátis em troca” - é não raras vezes criticada por ser camuflada aos olhos do público, a relação baseada nos princípios referidos é intensamente aplaudida. Os “social media” tornam-na numa realidade fortemente elogiada pelo autor e outros teóricos das Rela-ções Públicas, sendo que consideram justos e úteis os métodos de avaliação do sucesso de uma campanha, o tal “termo de pagamento” da Web - a Atenção e a Reputação. Ora, se a legitima-ção de uma marca, empresa, organização, pessoa ou ideia depende do número de visitas ou do tráfico de um site (que medem a Atenção) e do número de links que para ele apontam (que medem a Reputação), considero este sistema de aumento de autoridade extremamente falível por ser tão facilmente manipulável. Fazendo apenas uma transição, muda-se de uma estratégia disfarçada (a tal troca de informação entre as Relações Públicas e os media de massa) para outra igualmente reprovável.

Assim, apesar de concordar com o autor do blog ‘PR Studies’ quando fala no investi-mento a longo prazo nestas redes sociais, parece-me que a abordagem deve ser cautelosa por duas principais razões: primeiro, porque no que toca à linguagem Web 2.0 (iii), somos completos analfabetos, a retórica é completamente diferente (juntar em harmonia imagem, vídeo, som e escrita não é, de todo, o meio em que nos sentimos à vontade, tratando-se de um trabalho que precisa de ser aperfeiçoado); segundo, porque o mundo dos blogs, das redes sociais, da partilha de ficheiros multimédia e das mensagens instantâneas ainda não tem regras definidas. Tendo havido um tão significativo aumento da liberdade, é preciso reflectir sobre a responsabilidade que a acompanha, ou entramos por completo no universo descrito pelo crítico Andrew Keen: “Nesta anarquia, tornou-se de repente claro que o que governava os infinitos macacos que ago-ra inserem informação na Internet é o Darwinismo digital, a sobrevivência do mais barulhento e mais teimoso. Com estas regras, a única maneira de prevalecer intelectualmente é sendo um incansável flibusteiro” . Tendo os prós e os contras conscientemente delineados, julgo que é necessário perseguir o progresso e agarrar a oportunidade de estabelecer novas regras e objec-tivos mais ambiciosos e, assim, a solução para o crescimento das Relações Públicas será o títu-lo de outro post deste blog: “Construir uma rede, não uma empresa” .

i Media criados para se dissolverem no processo de interacção social típica do Homem, através da Internet e outras tecnologias de rede que transformam os monólogos dos media em diálogos com o público, transformando os antigos consumidores em produtores de conteúdos. Para as Relações Públicas significa que é possível falar COM os stakeholders em vez de falar PARA os stakeholders.

ii Media industriais: os de massa (jornais, televisão, rádio).

iii Segunda geração de comunidades e serviços on-line, caracterizada pelo ambiente de interacção que hoje engloba inúmeras linguagens e motivações, tendo como prerrogativa a "Web como plataforma”, não se referindo à actualização de especificações técnicas, mas a uma mudan-ça na forma como é encarada pelos usuários.
Joana Tadeu
Outubro 2009

"Belkin blushes after cash-for-comment cock-up" e "Shameless staff and Social Media foster fast food PR disasters"

Os dois posts por mim escolhidos relatam episódios traumáticos de “power of Social Media to unravel reputations”: o primeiro evidencia a tentativa da Belkin de incentivar comentários favoráveis a um dos seus produtos (a £0,65 cada um) e o segundo, conta como um vídeo carregado no YouTube conseguiu afastar os consumidores da fast-food da cadeia McDonalds e Domino’s Pizza, nos Estados Unidos. Estes episódios são, então, PR Disasters (desastres de Relações Públicas), precisamente pela sua capacidade de destruir a reputação, sendo que voltar a ganhá-la constitui (quase) sempre uma árdua e inglória tarefa. Estes dois posts remetem igualmente para uma realidade emergente, referida inicialmente nesta reflexão: o poder dos Social Media (Média Sociais), neste momento, uma das mais influentes formas de Média.

Nesta liberdade de comunicação interactiva e crescente interacção social em que nos encontramos, o acesso às diferentes ferramentas técnicas e tecnológicas é cada vez maior. Os consumidores alcançaram o estatuto de cidadãos, assistindo-se à passagem de uma “comunicação para massas” para uma “comunicação em rede”. Todas estas relativamente novas plataformas (YouTube, Flickr, Facebook, Twitter, etc.) possibilitam a colocação do emissor e do receptor num mesmo plano (um pouco como descrevia J. Grunig no seu two-way symmetrical model, mas numa extensão um pouco mais “prevertida”), passando de consumidores passivos a utilizadores activos. Tais ferramentas viabilizam uma facilidade indescritível em diminuir as vendas (a curto-prazo) e em causar sérios danos na reputação de uma marca ou empresa (a longo-prazo), afectando também a lealdade do consumidor.

Devido à interconectividade destas plataformas, a partilha de conteúdos efectua-se a uma velocidade estonteante, não permitindo falhas ou erros de resposta por parte da marca. Esse foi o caso das duas marcas analisadas nos posts, que, numa tentativa de defesa, divulgaram respostas “frouxas” (no caso McDonalds e Belkin) e tardias (no caso Domino’s) face aos acontecimentos.

É verdade que os Social Media constituem uma oportunidade de aumentar a exposição da marca e de identificar pessoas que auxiliem a divulgação da mesma; de atrair novos negócios e novos consumidores e de melhorar esses relacionamentos. E não será menos verdade que transformam o modo como recebemos e partilhamos informação, produzindo conteúdos de forma descentralizada e influenciando decisões. Como tal, parece-me legítimo e engenhoso utilizar estes novos média como suporte de áreas como o marketing, a política ou, até mesmo, a administração pública.

Quanto às Relações Públicas, julgo ser este o cenário que paira em Portugal e até em países mais desenvolvidos tecnológica e economicamente: numa época de net-zero response time, as empresas aperceberam-se da importância destes Social Media nos processos de decisão dos públicos, mas não sabem ainda como trabalhá-los. Está latente a ausência de um plano estratégico de prevenção e combate a este tipo de ameaças; o que existe são projectos avulsos.
Verifica-se o mesmo caso com o Jornalismo: até que ponto o que se publica no Twitter é material noticioso? Será que essa referida liberdade de publicação de conteúdos não coloca em causa o aproveitamento, a qualidade e a credibilidade daquilo que é divulgado?

Não sei se não será ainda cedo para responder concretamente a todos os anseios subsequentes da utilização destas ferramentas, ou já demasiado tarde. Contudo, parece-me óbvio que esta nova era não irá reverter-se. É, então, crucial que as Relações Públicas actuem como mediadores estrategicamente preparados para esta “SocMed threath”, tal como estiveram outrora, face a outro tipo de ameaças. Julgo ser mais proveitoso olhar os Média Sociais como aliados e não como inimigos, aproveitando as suas melhores características, em prol da organização. Do mesmo modo, o Jornalismo deverá incorporar estas plataformas como forma de adicionar valor ao seu trabalho.

Pessoalmente, não consigo formar uma opinião sobre os Social Media, pois, se por um lado o seu poder me assusta, por outro, encanta-me. Porém, enquanto estudante de Comunicação, não poderei deixar de concordar com Jerry Stevenson, quando diz: Technology doesn’t save communication problems; great communicators do.
Rita Martins
Outubro 2009